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A péssima cultura da natação brasileira de criar um “salvador da pátria” a cada ciclo olímpico

Guilherme Caribé - Foto: Satiro Sodré
Guilherme Caribé – Foto: Satiro Sodré

Por décadas, a natação brasileira vem repetindo o mesmo erro: transformar cada talento que desponta em uma nova esperança de redenção — o “salvador da pátria” que supostamente colocará o país entre as potências mundiais da modalidade.

É uma armadilha cíclica, que mascara a falta de estrutura, planejamento e continuidade no desenvolvimento esportivo nacional.

O Brasil se acostumou a projetar expectativas irreais sobre poucos nomes que, por mais que fossem atletas excepcionais, chegaram ao topo muito mais pelo talento individual, por bons programas de treino e por circunstâncias favoráveis do que por um sistema sólido de formação e suporte.

A bola da vez é Guilherme Caribé, nadador em excelente evolução dentro e fora das piscinas — e que, para sua sorte, estuda e treina nos Estados Unidos, dentro de uma cultura esportiva que entende que resultados são consequência de processo, e não de esperança.

Basta analisar os resultados olímpicos da natação brasileira para constatar o óbvio: cada medalha conquistada é um feito isolado.

Nenhuma conquista foi seguida de um plano nacional para massificar a modalidade, formar novos treinadores, fortalecer clubes ou criar centros de desenvolvimento.

Em vez de transformar medalhas em políticas, o país transforma atletas em ídolos passageiros — até o próximo ciclo.

Além de revelar poucos talentos, o sistema brasileiro ainda se mostra especialista em desgastá-los.

Supervalorização precoce, cobranças desproporcionais e um modelo de competições que valoriza a quantidade em vez da qualidade são sintomas de uma estrutura ultrapassada.

Nossos campeonatos premiam por pontos — ou seja, favorecem quem inscreve mais atletas e espalha nadadores por diversas provas, e não quem busca excelência técnica, preparação adequada e resultados expressivos em nível internacional.

Caribé é o grande nome da natação brasileira na atualidade porque se adaptou muito bem à cultura esportiva americana, que valoriza o desempenho constante, o equilíbrio entre treinar e competir e a busca contínua por evolução e conquistas.

Nos Estados Unidos, ele tem a oportunidade de competir com frequência em eventos fortes, com estrutura e nível técnico que estimulam progresso real.

No Brasil, a realidade é outra: treina-se muito, mas compete-se pouco, e quando se compete, os resultados muitas vezes não têm impacto relevante em rankings internacionais, o que reduz as referências e os desafios reais de performance.

A diferença está menos na estrutura e mais na mentalidade — lá, o sistema é feito para o atleta evoluir competindo; aqui, o excesso de foco no treino e a escassez de competições de alto nível acabam limitando o desenvolvimento.

Guilherme Caribé - Foto: RSP Sports
Guilherme Caribé – Foto: RSP Sports

Enquanto o país continuar depositando suas esperanças em um nome por vez — e não em um sistema de desenvolvimento —, continuaremos comemorando talentos isolados em vez de conquistas coletivas.

Não existe futuro sólido para a natação brasileira sem mudança de mentalidade: o que precisa ser “salvo” não é o resultado, mas a cultura existente na modalidade.

A natação brasileira não precisa de um novo herói: precisa de estrutura, continuidade e visão de longo prazo.

Enquanto seguirmos criando “salvadores da pátria” a cada ciclo olímpico, continuaremos apagando o incêndio da falta de política esportiva com o brilho momentâneo de um talento que, sozinho, não pode carregar o peso de todo um país.

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André Pereira

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Clube atual: Universidade Santa Cecília – Santos/SP

Títulos e conquistas:

  • Atleta Olímpico – Jogos Olímpicos de 2016 – Rio de Janeiro/Brasil

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